Especialista alertam para possível judicialização de reajuste salariais

Por ter sido prometido, em tese, a servidores de uma única carreira, o aumento em ano eleitoral já começou a ser contestado por outras categorias.

Como temos mostrado, categorias de servidores públicos ameaçam greve geral como forma de aumentar a pressão contra o governo Bolsonaro por reajustes salariais.

Ministros do STF, como também noticiamos, já avisaram em reservado a assessores do governo Bolsonaro que conceder aumento somente para uma categoria — no caso, a promessa é para as carreiras federais de polícias — pode desencadear uma série de ações cobrando o mesmo tratamento para todos os servidores.

Parte dos especialistas ouvidos por O Antagonista acredita em judicialização do tema, ainda que a estratégia não dê resultado.

Paulo Liporaci, advogado especialista em direito administrativo e em servidores públicos, disse que a discussão sobre os aumentos para todos é válida, uma vez que a inflação e a consequente perda do “poder de compra” ocorrem de modo linear e horizontal entre os servidores.

“Contudo, ao se deparar com essa questão, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não cabe ao Poder Judiciário conceder aumentos remuneratórios aos servidores públicos com fundamento no princípio constitucional da isonomia. E não foi uma decisão qualquer. O STF fixou esse entendimento em súmula vinculante, a  qual deve ser obrigatoriamente seguida por todas as demais instâncias do Judiciário”, diz.

Para Liporaci, servidores que desejam aumento em 2022 “devem concentrar seus esforços na atuação política – perante o Legislativo e, especialmente, o Executivo –, sob pena de sofrerem grande prejuízo na via judicial”.

Já o advogado Willer Tomaz afirmou que nada impede o Executivo de conceder reajuste somente a determinas carreiras do funcionalismo.

“Naturalmente, haverá sempre o risco de judicialização, pois as demais categorias de servidores públicos podem se sentir prejudicadas. Entretanto, isso não seria bom para o país, pois se deve respeitar a competência do chefe do Executivo, em conjunto com o Legislativo, nas decisões sobre reajustes salariais. Mesmo porque é necessário observar fatores como o equilíbrio financeiro e os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre gastos com pessoal, não havendo direito adquirido a todas as outras carreiras apenas porque uma foi beneficiada pelo reajuste remuneratório.”

Para o especialista em direito administrativo Fellipe Dias, o reajuste de servidores públicos federais é pauta das Leis Orçamentárias Anuais e, como todo ato da administração, precisa obedecer ao princípio da isonomia.

“Isso significa dizer que é imprescindível que esses reajustes ocorram da mesma forma para todos os servidores. Nos casos excepcionais em que exista a necessidade de reajustes mais pontuais, isso deve ser devidamente fundamentado”, disse.

Para Dias, o reajuste para apenas uma categoria “poder ensejar uma demanda judicial por parte dos demais servidores que não receberam o mesmo reajuste, o que, além de movimentar o Judiciário, poderá representar, em segundo plano, o mesmo reajuste para todos os servidores, o que certamente gerará impactos nos cofres públicos”.

De acordo com o advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas, é muito provável que, caso seja dado aumento a uma categoria e não a outra, haja judicialização, sob alegação de violação do princípio da impessoalidade e do nítido interesse do presidente de favorecer determinadas categorias em relação as quais há conhecido interesse eleitoral.

“Portanto, caberia ao Poder Judiciário analisar a procedência ou não dessas argumentações. Se julgado procedente, obviamente se provocaria um aumento nas demais categorias, podendo aumentar o déficit fiscal, já que o governo projeta o custo em função de uma categoria específica. Se for estendida a outra, certamente isso terá um impacto fiscal muito significativo. Assim, mais do que a judicialização ser problemática para o país, é problemático o presidente ter uma postura querendo privilegiar uma categoria em detrimento de outra”, afirmou.

Wesley Bento, advogado especialista em direito administrativo, disse que a judicialização é sempre possível, mas diz não acreditar que eventuais ações possam resultar em concessão de aumento para outras categorias.

“Ainda mais porque o STF entende que o governo não é obrigado a propor a revisão geral anual das remunerações dos servidores públicos. Se demonstrada alguma irregularidade na concessão do reajuste para alguma categoria específica, no máximo haveria o cancelamento do reajuste. Entretanto, a própria jurisprudência do STF não apresenta estabilidade suficiente e a incerteza sobre o resultado de ações judiciais só termina quando efetivamente ocorre o julgamento do caso”, afirmou.

Para Bento, a judicialização envolvendo ações  do Executivo “já apresenta situação crítica no país, com diversos casos que podem representar impactos bilionários nas contas públicas”.

“Essas questões contribuem para um ambiente de instabilidade política e econômica, sempre indesejável em qualquer país”, acrescentou.

Matéria publicada no portal O Antagonista.